top of page

Glauco Velásquez
(1884-1914) 

Foto de Glauco Velásquez

Não pretendemos aqui relatar uma biografia exaustiva deste grande compositor e pessoa, resultante de uma criação fantasiosa e enigmática de uma época e sociedade regida por preconceitos bastante impiedosos. São diversas as versões sobre a origem de Glauco Velásquez e detalhá-las todas ultrapassaria o escopo deste site. No entanto, seria relevante dissipar as dúvidas que cercaram seu nascimento e que certamente o acompanharam ao longo de toda sua vida.

​

Há um relato bastante curioso, registrado por Sílvio Salema (1901-1976), professor do então Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, no qual ele compartilha uma confissão de João Alfredo Gomes, outro eminente músico da época, professor e amigo do compositor, a respeito da história de Glauco Velásquez. Esse artigo, publicado muitos anos antes da edição da obra 'Glauco Velásquez' (Rio de Janeiro: Enelivros, 2002), escrita por Maria Cecília Ribas Carneiro e José Maria Neves, nos traz a seguinte informação:

(...) Em 1927, tive ocasião de falar a um dos maiores vultos de nossa música, que era meu amigo, sobre Glauco Velásquez, a quem conheci nos seus últimos anos de vida. Esse grande mestre que era professor do Instituto, João Alfredo, onde eu também lecionava, disse-me: Você quer saber muita coisa, mas, eu posso dizer a você que eu fui seu professor e o amava como a um filho. Glauco sofria angustiosamente por causa do mistério e você também está sentindo, mas, nem tudo se pode dizer. Só mais tarde vim, a saber, alguma coisa que eu não direi, porque é “segredo” (SALEMA, Silvio. Jornal do Commercio, 21 jul 1961).

Não podemos afirmar o que seria esse segredo. Apresentaremos apenas os fatos narrados por sua sobrinha-neta, pois naquele momento da pesquisa nos pareceu ser o único documento biográfico confiável capaz de esclarecer a identidade dos pais, o local de nascimento e as condições de vida de Glauco Velásquez. Por outro lado, a obra de Maria Cecília Ribas Carneiro e José Maria Neves introduz, de forma definitiva, na genealogia do compositor, Adelina Alambary Luz ([18--]-1938) como sua mãe. Glauco Velásquez nasceu em Nápoles, em 23 de março de 1884. Ele era filho ilegítimo do famoso barítono português Eduardo Medina Ribas (1822-1884) com sua aluna Adelina, que descendia de uma importante família proprietária de terras na ilha de Paquetá. Tanto seu pai, Dr. José Carlos de Alambary Luz (1833-1915), quanto seu avô, o Comendador Pedro José Cerqueira (1807-1876), foram personalidades públicas nos dois impérios. Glauco foi registrado no consulado brasileiro de Nápoles, como sendo filho de um espanhol, José Velásquez, e de Adélia Velásquez, brasileira; foi declarado que ambos eram falecidos. A criança foi entregue a um casal de camponeses, vivendo sob a tutela de um pastor metodista.

AdelinaAlambaryLuz

Adelina Alambary Luz

EduardoMedinaRibas

Eduardo Medina Ribas

Seu pai, Eduardo Medina Ribas, descendia de uma família de ilustres músicos portugueses. Seus irmãos também eram músicos, incluindo Nicolau Medina Ribas (1831- 1900) foi um eminente violinista e professor de Leopoldo Miguez (1850-1905). Eduardo Medina Ribas foi um brilhante barítono na cena musical carioca e um dos responsáveis pela estreia de 'Noite do Castelo' de Carlos Gomes (1836-1896) no papel de Conde Orlando. Era um cantor muito respeitado pelo público e pela crítica carioca da época. Medina Ribas também era trompista e cultivava o gosto pelo desenho e pela pintura (CARNEIRO & NEVES, 2002, p. 6-10). Faleceu de ataque cardíaco na cidade do Rio de Janeiro em 1884 (MORAES JUNIOR, 2014, p. 21).

Glauco Velásquez estudou na Scole Evangeliche Metodiste de Napoli entre 1895 e 1896, tendo o italiano como língua materna e o francês como segundo idioma. Recebeu uma educação cuidadosa, distinguiu-se como bom aluno, conforme boletim escolar da época. Participou do coro da escola e demonstrou interesse pelo desenho (CARNEIRO & NEVES, 2002, p. 10). Sobre sua infância na Itália, pouco se sabe. Após a morte de seu tutor, os descendentes do seu já falecido pai o trouxeram de volta para o Brasil. Aly (pseudônimo de Adelina Alambary Luz) relata que o garoto chegou à cidade do Rio de Janeiro em 16 de agosto de 1897 (LUZ, 1930. p. 18).

CertificadoEscolaMetodistaItalia.jpg

Certificado Escola Italiana

Francisco_Braga

Francisco Braga

No Brasil, passou a viver com a família Medina Ribas, e assim que aprendeu o português, Velásquez foi aceito como aluno interno no Instituto Profissional Masculino, em Vila Isabel, Rio de Janeiro. Esse Instituto, dirigido pelo seu proprietário e criador, Dr. Azevedo Pinheiro, oferecia ensino profissionalizante de qualidade para crianças órfãs e tinha um de seus ex-alunos, o compositor carioca Francisco Braga (1868-1945) como professor de música. Esse encontro teve um significado especial na vida de Velásquez. O maestro e compositor carioca, além de reconhecer seu talento musical e incentivá-lo a estudar música, estabeleceu com o futuro compositor brasileiro laços recíprocos de amizade e admiração. Foi a Francisco Braga que, pouco antes da sua morte, Velásquez confiou a conclusão da sua ópera em um ato, Soeur Beatrice, com texto do poeta simbolista francês Maurice Maeterlinck (1862-1949). O maestro realizou o desejo do compositor e parece tê-la encenado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.​

Maria Cecília Ribas Carneiro nos comunica que a reaproximação de Adelina com Glauco Velásquez se deu paulatinamente. Após a matrícula do garoto no Instituto Profissional Masculino em Vila Isabel, Adelina Alambary Luz foi se tornando cada vez mais próxima dele, conquistando-lhe o coração como um ente querido. Levou-o para viver em sua companhia na ilha de Paquetá e mesmo tendo sempre se declarado, publicamente, como sua “mãe adotiva”, Adelina cuidou dele pessoalmente até sua morte (CARNEIRO &; NEVES, 2002, p. 17). Ainda por seu intermédio, Glauco Velásquez tornou-se professor de música numa escola infantil da ilha. A interferência de Francisco Braga e a presença de Adelina Alambary Luz parecem ter contribuído na escolha feita pelo garoto de estudar música no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro. Essa interferência, conforme relatado por Eurico Nogueira França em seu artigo "Cinquenta anos da morte de Glauco Velásquez" (FRANÇA, 1964), juntamente com seus antecedentes musicais, foram determinantes na formação musical de Velásquez. 

FredericoNascimento.jpg

Frederico Nascimento

Apesar da sua provável iniciação musical napolitana, sua formação ocorreu, de fato, no ambiente educacional, cultural e artístico do Instituto Nacional de Música, onde concluiu o curso de composição em 1905. Glauco Velásquez esteve sob orientação direta de Francisco Braga e Frederico Nascimento (1852-1924), na proximidade dos olhares de Alberto Nepomuceno (1864-1920) e Henrique Oswald (1852- 1931). Estudou contraponto e composição com Braga e harmonia com Nascimento. Quanto à conclusão do curso, ela é citada na coluna de Eurico Nogueira França, que se refere ao compositor como sendo o “mais belo talento do (nosso) Instituto Nacional de Música” (FRANÇA, 1964).

Aquele mesmo ano foi marcado por outros fatos igualmente importantes. Glauco Velásquez reconhece o desabrochar de sua fase de amadurecimento estético e musical. Esse reconhecimento está registrado no único documento conhecido de seu próprio punho: sua carta ao crítico carioca Rodrigues Barbosa (CARNEIRO & NEVES, 2002, p.51-53). Ele afirma, a respeito da sua atividade composicional daquele ano, que compunha “romances para canto e piano, devido aos sentimentos que em mim despertavam as palavras de uma poesia”. Em seguida, Glauco Velásquez confessa ter abandonado resolutamente “a forma comum do romance” (ibidem, p. 51). Nesta mesma carta, o compositor desconsidera o valor artístico de todas as suas obras compostas nos anos anteriores e escreve que no seu encontro de 1905 com Henrique Oswald, o compositor, pianista e professor enaltece o mérito das suas canções “com palavras que não serão esquecidas nunca”. (ibidem, p. 52). Esta carta foi escrita em 19/05/1912, segundo Catálogo da Exposição Comemorativa de seu falecimento (PEQUENO, M. R., 1965, p. 38).

Velásquez fez grandes amizades e relacionou-se com expressivos nomes da cena musical carioca da época: Ernani Braga, Frederico Nascimento Filho, Stella Parodi, Cândida Kendall, Otaviano Gonçalves, Luciano Gallet (1893-1931), Paulina d’Ambrosio, Thilde Aschoff e Rubens Figueiredo. Todos foram divulgadores de sua música, mas deve-se a Luciano Gallet o maior mérito. Gallet foi o mentor e o realizador do concerto de 17/10/1914, cuja finalidade era apresentar ao grande público a ideia de criação da Sociedade Glauco Velásquez. A Sociedade tinha como objetivo divulgar e imprimir a obra do amigo (CARNEIRO & NEVES, 2002, p. 111-115). Também por intermédio de Gallet, o compositor francês Darius Milhaud (1892-1974), estando no Brasil em 1917, demonstra forte interesse pelas composições de Velásquez. Milhaud as tocou em recitais públicos e proferiu conferências sobre sua música. Rendeu-lhe homenagem com sua resolução de terminar o quarto trio para cordas e piano, deixado inacabado por Velásquez (ibidem p. 36-37 e p. 78). 

LucianoGallet.jpg

Luciano Gallet

Foi no Salão do Jornal do Commercio que suas obras foram apresentadas. A primeira apresentação de suas obras ocorreu em 20/09/1911, com crítica muito positiva de Rodrigues Barbosa, no Jornal do Commercio. Ele disse de Velásquez: “Esse moço tem a genialidade do criador. A sua obra é absolutamente nova; ele não compõe de acordo com determinados moldes, por mais perfeitos que eles sejam; o seu estilo, a sua forma nada têm de comum com as escolas conhecidas; é profundamente original, novo, único, por assim dizer, no seu modo de ser original" (CARNEIRO & NEVES, p. 29). O outro testemunho, desta vez proferido por um de seus críticos, Oscar Guanabarino, por ocasião da morte do compositor relembra, no Jornal do Commercio, a apresentação do seu primeiro trio: â€‹

(...) Foi em 1910 que nos chegaram aos ouvidos referências a um moço que diziam dotados das mais sólidas qualidades de compositor. Não nos deixamos impressionar, mas sentimo-nos tomados por curiosidade. (...) Pois bem, no fim da audição do Trio para violino, violoncelo e piano estávamos conquistados. A obra de arte maravilhosa vencera a nossa resistência, subjugara uma indiferença, cativara a nossa inteira admiração. (...) dir-se-ia que a música de Glauco, como força estética, atestando as transformações de uma evolução, se emancipa das influências ambientais da humanidade. (...) Conhecido e admirado num pequeno círculo de amigos que lhe aclamavam o talento, urgia que se exibisse ao grande público com sua obra, já então muito discutida. As composições de Glauco Velásquez extasiaram os que lhe penetravam à finíssima sensibilidade, deliciavam os que lhes compreendia a emotividade íntima”. (ibidem, p. 107).

HenriqueOswald.jpg

Henrique  Oswald

AlbertoNepomuceno2.jpg

Alberto Nepomuceno

Há uma mensagem dirigida ao Congresso Nacional pela elite de compositores brasileiros datada de 1912. Nesse documento, pleiteava-se um auxílio do governo brasileiro para Glauco Velásquez, a fim de criar-lhe a oportunidade para que pudesse apresentar sua obra. Esta carta foi publicada no Jornal do Commercio de 4 de junho de 1913 e é um testemunho público e oficial, assinado por Alberto Nepomuceno, Henrique Oswald, Francisco Braga, Cândida de Nova Kendall, Stela Parodi, Matilde Aschoff, Paulina d’Ambrosio, Alfredo Gomes, Frederico Nascimento e muitos outros. O pedido não foi atendido, apesar da veemência da argumentação. Também foram compostas, nesse período, obras vocais com acompanhamento de quarteto de cordas, orquestra de câmara e uma ópera inacabada.

Em janeiro de 1914, a tuberculose, doença que já o consumia, agravou-se e ele quis ouvir sua música pela última vez num concerto organizado pela violinista Paulina d’Ambrosio, na residência da família Alambary Luz. A morte de Glauco deu-se em 21 de junho de 1914, sendo sepultado no dia 22 no cemitério de S. Francisco Xavier.

Com o intuito de atender ao pedido do compositor de dar continuidade à divulgação de sua obra, Adelina Alambary Luz, amigos e intérpretes, realizaram uma reunião em agosto de 1914 para organizar as bases da fundação de uma Sociedade. Os objetivos da Sociedade Glauco Velásquez eram divulgar suas obras através da impressão das partituras, concertos e conferências para o público (MORAES JUNIOR, 2014, p. 99). O primeiro concerto para a apresentação da Sociedade deu-se em outubro de 1914, lotando o Salão Nobre do Jornal do Commercio. Nesse contexto, foi instituído um estatuto e a diretoria foi formada, com o Dr. Azevedo Pinheiro como presidente, Francisco Braga como diretor artístico, Luciano Gallet como secretário, Lino José Barbosa como tesoureiro e Adelina Alambary Luz como arquivista.  A Sociedade iniciou suas atividades regulares e vários artigos foram escritos sobre os concertos, estreias e intérpretes de sua obra entre 1914 e 1918, ano em que a Sociedade declinou, com a saída de Luciano Gallet por motivos de saúde e desistências, como a de Adelina Alambary Luz.

SociedadeGV.png

Sociedade Glauco Velasquez

Durante o período de sua existência, a Sociedade conseguiu publicar 30 partituras, realizar sete concertos, além dos extraoficiais, e obteve uma média de aproximadamente 80 membros, entre sócios e executantes (MORAES JUNIOR, 2014, p. 135). Glauco Velásquez é o patrono da cadeira de número 37 da Academia Brasileira de Música.

bottom of page